quinta-feira, 2 de julho de 2009

Conto de Inverno




99% dos filmes são aquilo a que simplificadamente podemos chamar ‘machistas’. Ou seja, neles as relações são conduzidas, ou pelo menos dominadas, pelo homem.

Uma das mais notáveis excepções que conheço é ‘Conto de Inverno’, a obra-prima de Rohmer de 1992, segundo dos seus ‘Contos morais’.

A personagem de Loic (Hervé Furic), é admirável nesse sentido. Apaixonado por Felicie (Charlotte Véry), dá-lhe aquilo que a lenda pretende que as mulheres exigem acima de tudo: segurança e um amor tranquilo.

Mas Felicie não se contenta de forma alguma com isto. Vai mantendo uma relação com Loic, mas não só sonha com um amor antigo de que perdeu o rasto devido a uma estupidez, como mantém um outro caso com um homem casado (com o conhecimento de Loic). Loic suporta estas contrariedades (que nenhum ‘macho standard’ do cinema aceitaria) e vai tentando conquistar Felicie precisamente dando-lhe o tal amor tranquilo e a tal segurança. Por vezes estas bastam a Felicie, que fica tocada por elas e sente sem duvida um especial carinho por Loic, sentimento a que ele se agarra convictamente, e com o qual tenta convencer Felicie a ficar com ele.

Esta sua pressão discreta e suave intensifica-se quando, depois de uma experiência falhada com o seu amante casado, Felicie volta temporariamente para ele. Ele é compreensivo, terno, dá-lhe todo o apoio e ela vai-se deixando ir. Sem dúvida que Loic nesta altura pensa que a conquistou de vez, mas o espectador já sabe que não. Não por saber algo que ele não sabe, mas sim porque nesta altura já a conhece melhor do que Loic. Ou pelo menos consegue analisá-la melhor que este, sem precisar de se agarrar a todas as pontas para se auto-iludir.

Note-se que Rohmer tem o cuidado de nos mostrar que Loic não tem esta atitude por falta de opção. É bem-parecido, movimenta-se num círculo culto (é um intelectual, ao contrário de Felicie) e trabalha num ambiente jovem e rodeado de mulheres.

O filme não se reduz a esta relação e talvez o foco de Rohmer seja mesmo o facto de alguém esperar convicta e teimosamente por outra pessoa (pela pessoa) contra todas as probabilidades. Há algo de religioso em Felicie, como em tantas personagens do realizador.

Mas a mim parece-me que Loic nunca conseguiria dela um compromisso para a vida, fossem quais fossem as circunstâncias, existisse ou não existisse o fantasma desse amor antigo. Felicie não estava apaixonada por ele, ponto final. Eu conheço casos destes. Mas no cinema, são raros.
É também por isso que ‘Conto de Inverno’ é um dos filmes que mais amo. Como eu entendo Loic.

aqui falei do Um chá no deserto. Agora roubei esta posta ao mais efémero (1 dia), mais deprimente e, já agora, mais bonito, dos meus ex-blogues. (e reparo agora numa tendência fanática e pouco imaginativa de roubar nomes a filmes para baptizar os ditos cujos)

2 comentários:

pmramires disse...

há dvd em português (com legendas em português)? na biblioteca que frequento só lá têm o conto de verão e o conto de outono. isso não quer dizer nada, mas podia-me confirmar?

rui disse...

Penso que não. Que eu saiba, dos 'Contos das 4 estações' só sairam cá em dvd os que refere, o 'Conto de Verão' e o 'Conto de Outono'.