quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Eça em Alvalade

Na sequência da comunicação do Sporting sobre o dress code de Alvalade, eis como seria descrita uma tarde de domingo naquele sumptuoso estádio:

Sua Excelência, adornado nas vestes presidenciais, voltou-se então para o Duque, que ostentava na lapela a Comenda da Conceição: «Reparou, senhor duque, naquela bela passagem que o Sr. Carriço efectuou na direcção do Sr. Saleiro?» «Brilhante, Sr. Presidente, lembrou-me uma jogada idêntica do Sr. Hilário, em Junho de 1972. Não houve outra igual.» Só então repararam, ao mesmo tempo, que o Sr. Visconde da Graça estava sentado atrás deles, brilhando como uma camélia escarlate na tribuna, de casaca e crachat, grã-cruz sobre o colete branco, de binóculo a tiracolo, tremeluzindo de casimiras e tules. Toda a tribuna, aliás, resplandecia. Sua Excelência, que tinha recebido no telefone móvel (que logo escondera, envergonhado) uma chamada do Sr. Costinha, notara, mais abaixo, a presença da Sra. Viscondessa de Melo, nédia e branca, com o corpete negro reluzente de vidrilhos, de costas voltadas para o relvado, esperando que a primeira parte do jogo terminasse naquele empate de sportsmen educados, contra a equipa da Figueira da Foz, a Naval. O presidente da Naval aceitara as normas de vestuário do Sporting, e estava sentado, recostado na poltrona, de grande chapéu panamá, calça listrada de cheviote, o mantelete da filha no braço, o guarda-sol entre os joelhos, embora revelasse o jaquetão de veludo coçado nas entretelas. O Dr. Rogério Alves, de casaca e colete branco, limpando um resto de espuma do bock, bateu com a mão na coxa, queixando-se de um fora-de-jogo mal assinalado pelo Sr. Olegário Benquerença: «Irra!» E até o Dr. Dias Ferreira, de de grande colarinho à francesa, sobre uma jaqueta de botões amarelos, ameaçava requerimentos, contra-ordenações, queixas, o diabo, contra «esta terra de vagabundos». O Sr. Olegário Benquerença, no relvado, luzidio de suor e enfiado na sua fardeta azul de botões da regra, apitava enfim para o intervalo. O Sr. Conde de Tomar, arfando, protestava, mostrando um botão de rosa no peito da sobrecasaca muito justa e batendo no chão atapetado de Arraiolos com os seus sapatos de verniz que resplandeciam sobre as polainas de linho. O Sporting prometia. Foi quando um criado, de libré e calça listrada de vermelhos, enfiado num enorme colete branco, reteso de goma, anunciou que estavam servidos os canapés. Ouviu-se então um rumor de saias amarrotadas, senhoras que se levantavam para beber o seu capilé, as suas groselhas, enquanto – de olhar lânguido, mas severo, preocupado – Sua Excelência, com o paletó todo abotoado, com a gola engomada, quase escondendo a gravata verde, murmurava ao telefone para o Sr. Costinha: «Ah, meu preclaro director, imagine que eu vi por aqui um cavalheiro de paletó sem jaqueta por baixo, com a calça repuxada a deixar ver as peúgas. Que vergonha, que vergonha. Queira proceder. Mande a guarda, mande a guarda!»

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